Francisco Martins Sarmento

 

Francisco Martins de Gouveia Morais Sarmento nasceu em Guimarães no dia 9 de março de 1833, no seio de uma família com fortuna, que habitava um prédio no centro da cidade. Com 8 anos, é matriculado na escola primária de Guimarães, seguindo de depois para o Porto, onde estudou Latim no Colégio da Lapa até atingir a idade dos 15 anos. Termina os estudos secundários em Coimbra, ingressando de imediato na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Em 1853, sai como bacharel formado em Direito, com apenas 20 anos de idade.

Fixa residência em Guimarães, na casa da família na Rua do Gado (conhecido popularmente como Largo do Carmo). Será neste ambiente de tranquilidade e conforto que decorrerá a vida de Martins Sarmento, tendo por companhia a irmã Joana Carolina, a única que se conservou solteira. No dia 5 de fevereiro de 1876, Martins Sarmento contrai matrimónio com D. Maria de Freitas Aguiar, pertencente a uma família nobre da terra.

Alberto Sampaio, ilustre historiador vimaranense, descreve o seu amigo da seguinte forma:

Alto, magro, de cabelos pretos retintos, a tez morena, o passo apressado, destacava-se em qualquer grupo à primeira vista. Fisiologicamente um nervoso, falando por meias palavras, rápido e breve no discurso como um homem que não pode desperdiçar o tempo, às vezes custava a perceber. A sua conversação usual, tocando aqui e ali a fugir, entrecortda de ditos alegres e picantes, se carecia de atracção enlevadora, transbordava de típica graça portuguesa. Sempre de bom humor, aturando com paciência as maiores impertinências, excitava-se comtudo, se contrariado no que se lhe afigurava a razão. Obsequioso até ao extremo, e dotado de franca generosidade, a sua preciosa bibliotheca e os seus conselhos mais preciosos ainda, estavam à disposição de quem os desejava; e não duvidava interromper os próprios trabalhos para responder com fundamento a uma consulta.

Por sua vez, José da Cunha Sampaio, amigo próximo de Sarmento, acrescenta estas notas:

Estando no campo ou á beira-mar passeia sempre. Nos seus tempos romanticos era caçador de perdizes; gostava de subir á cumiada dos montes e contemplar os largos panoramas, ou abeirar-se dos grandes despenhadeiros. Alto, magro, de cabellos pretos, ficava-lhe bem o traje de caça; mas era mau atirador. O espírito sempre enleiado em sonhos de phantasia, sempre perdido em vagas contemplações, não lhe deixava livre a rapidez de movimentos para apontar a caça com precisão. Deixou-se d’isso: agora prefere a mansidão dos regatos, onde pesca trutas com notável felicidade; é um amador exímio da pesca á linha. Quando a gente o vai procurar fica preso na affabilidade das suas maneiras e no interesse d’uma variada conversação (…).

Martins Sarmento é ainda lembrado por ter sido um ávido leitor, permanecendo quase todo o dia no seu gabinete, raramente saindo à rua. Ainda assim, era conhecido e admirado por toda a gente. “Em plena florescencia da mocidade, parte do dia, passava-o ali, a ler e escrever: rico, de distincta posição social e cheio de talento, tornara-se legendário por essa excentricidade, n’uma terra em que quasi ninguém se entretinha com leituras.” Apesar de possuir o seu palacete em Guimarães, era inegável a predileção de Martins Sarmento pela simplicidade da vida aldeã, o que o levava a passar longas temporadas no Solar da Ponte, em S. Salvador de Briteiros, a residência rural da família paterna. Gostava do contacto com a gente humilde dos campos e do que observava ia colhendo inúmeras notas etnográficas sobre as tradições populares da aldeia. Ocupava os seus dias lendo, estudando, passeando pelos caminhos junto ao rio ou pelas encostas da montanha.

Recorrendo à análise da sua obra, os biógrafos de Martins Sarmento são unânimes no momento de ressaltar as suas qualidades humanas e científicas. Sarmento foi uma figura notável, que se destacou não só pelas suas qualidades cívicas e morais, mas sobretudo pelo trabalho científico pioneiro que desenvolveu ao longo da sua vida. Dotado de uma vasta e larga instrução, sem preconceitos de escola, mestre de si mesmo, apoiado unicamente no seu pragmatismo e sentido de disciplina, Martins Sarmento foi o poeta romântico, o jornalista polémico, defensor de causas nobres, o arqueólogo e “mágico desencantador de civilizações mortas”, o etnólogo que procurava documentar as origens do povo português e o antropólogo, mais interessado nos homens do que propriamente nos muros, nas casas e nas muralhas. Simultaneamente, foi um homem da sociedade, elegante, com um carácter nobre, gentil e tranquilo. Era, por isso, uma pessoa muito respeitada e estimada em Guimarães: “Apparecesse alguma coisa de suprema importância local, a attenção de todos voltava-se para elle, e a sua casa tornava-se o centro de conferencias e resoluções.”

Francisco Martins Sarmento faleceu no dia 9 de agosto de 1899 na mesma cidade que o viu nascer.

Mas pouco antes, quando a morte se debruçava sobre a fronte a dar-lhe o beijo da eterna paz, estendendo o braço emmagrecido sobre a dobra do lençol e dispondo a mão, como se tivesse uma penna, fazia o geito d’escrever, de quem escrevia freneticamente. (…) E assim acabou, agitado n’um turbilhão d’ideias, sem conhecer a velhice intellectual, quem passara um quarto de século a procurar raios de luz, que illuminassem as trevas do passado.