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Museu da Cultura Castreja

O Solar da Ponte é uma antiga casa agrícola, construída nos finais do século XVIII, que pertencia à família de Francisco Martins Sarmento (1833-1899). Integrava uma vasta propriedade que incluía terras de cultivo, eira, espigueiro, moinho, estábulos e habitações dos caseiros da quinta. O solar teve importantes reformas no início do século XIX, promovidas pelos pais de Sarmento, Joaquim de Gouveia Morais Sarmento e Joaquina Cândida de Araújo Martins, nomeadamente a construção do frontão e da escadaria da fachada principal, do portão do terreiro e do chafariz.

Martins Sarmento, que residia habitualmente em Guimarães, utilizava este espaço como casa de campo e aqui ficava alojado durante os trabalhos arqueológicos que realizava na Citânia de Briteiros e no Castro de Sabroso, ambos localizados nas redondezas. Sarmento recebeu vários amigos no Solar da Ponte, como Camilo Castelo Branco, que aqui se refugiou em 1860, e Ricardo Severo, que fotografou um arraial no terreiro da casa em 1897. Foi também no Solar da Ponte que os investigadores europeus que visitaram a Citânia em 1880 escreveram os seus testemunhos, designadamente Émile Cartailhac e Henri Martin, de Paris, Rudolf Virchow, de Berlim, Juan Vilanova, de Madrid, e Adolf Pavinsky, de Varsóvia.

Após a morte de Sarmento, em 1899, o Solar da Ponte, doado à Sociedade Martins Sarmento, não voltou a ser utilizado como habitação. Na primeira metade do século XX, foi instalada na casa uma Escola Primária. O edifício foi-se degradando até que restaram apenas as paredes mestras, em granito, tendo desaparecido a maioria dos compartimentos originais. Finalmente, em 2003, foi possível um restauro integral do solar quando se procedeu à instalação do Museu da Cultura Castreja, uma extensão temática do Museu Martins Sarmento.

Apesar de pertencer a uma família abastada, o Solar da Ponte tinha um aspeto austero, com quartos de pequenas dimensões dispostos ao longo da fachada Sul, “em longitude e forma conventual”, no dizer de Camilo Castelo Branco. Da casa original, além do lagar de vinho e das características namoradeiras em algumas das janelas, destaca-se o retábulo da capela interior, retirado em 1964, quando se acentuou a degradação da casa, e depositado na Sociedade Martins Sarmento.

No piso superior do Museu, a exposição é especificamente voltada para a figura de Francisco Martins Sarmento, com um conjunto de objetos que retratam a sua vida e os trabalhos que realizou.

Numa pequena sala, que conserva as paredes originais, vê-se um conjunto de móveis que pertenceram à “livraria” de Sarmento, incluindo a sua escrivaninha, sobre a qual o arqueólogo se debruçava durante várias horas, lendo e escrevendo correspondência, estudando obras, tomando notas e redigindo ensaios. Tal como a escrivaninha, a pequena mesa de apoio costumava servir para o investigador espalhar os seus livros e separatas, não faltando o habitual cinzeiro. Este conjunto de móveis, datados do século XIX (exceto o relógio inglês, do século XVIII), integravam o mobiliário do palacete que Martins Sarmento construiu em Guimarães, no Largo do Carmo, e onde vivia habitualmente. Neste espaço ainda se conserva uma parte das estantes originais da biblioteca do palacete do Carmo.

Na grande sala contígua, onde originalmente se situavam os quartos de dormir, voltados para a fachada mais soalheira, dispõem-se vários objetos que integram o espólio pessoal de Sarmento. O piano de cauda, fabricado em Paris, era utilizado pela esposa de Sarmento, Maria de Freitas Aguiar. Vêem-se algumas obras da autoria do célebre arqueológo, como o artigo Les Lusitaniens, o Relatório da Expedição Científica à Serra da Estrela, promovida pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881, o comentário à obra Ora Maritima, de Avieno, e a apreciação crítica à obra Citania: Alterthümer in Portugal, da autoria do investigador alemão Emil Hübner, entre outras obras.

Destacam-se também alguns objetos que ilustram a utilização da fotografia, bem como os métodos de escavação seguidos por Sarmento nos trabalhos realizados na Citânia de Briteiros e no Castro de Sabroso. Martins Sarmento começou a fotografar em 1868, antes de dar início às suas explorações arqueológicas. Por essa razão, os primeiros exemplos das várias centenas de fotografias que operou são retratos de familiares e amigos. A partir de 1874, quando começaram as campanhas de escavação na Citânia, Sarmento revelou-se um arqueólogo pioneiro ao utilizar a fotografia no registo das ruínas e das peças que descobria no campo. Várias dessas fotografias foram depois reunidas em dois álbuns que enviou ao Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra e à Sociedade de Geografia de Lisboa, promovendo assim a divulgação das ruínas da Citânia e de Sabroso nos meios académicos. Estas fotografias seriam difundidas em diversas publicações científicas europeias.

A biblioteca de Martins Sarmento, com milhares de livros, em diversas línguas (Português, Francês, Inglês, Latim, Grego…), está hoje incorporada no acervo da Biblioteca da SMS. Integra sobretudo publicações científicas na área da Arqueologia, da História, da Antropologia e da Biologia. Na exposição, constam alguns desses livros, dos quais se destacam as obras dos autores clássicos greco-romanos, como a Geografia de Estrabão e a Ora Maritima de Avieno, publicações de arqueólogos notáveis, nomeadamente Heinrich Schliemann, sobre as antiguidades de Troia e Micenas, ou Austen Henry Layard, sobre as míticas descobertas de Nínive e Babilónia, bem como um exemplar de A Origem das Espécies, de Charles Darwin.

É também tema da exposição a presença de Camilo Castelo Branco, um dos amigos mais próximos de Sarmento, no Solar da Ponte, onde se refugiou durante algum tempo, fugido à justiça devido à sua relação com Ana Plácido. No preâmbulo de Memórias do Cárcere, Camilo descreve a casa, bem como o quarto onde ficou, de cuja janela via o monte da Citânia, onde muitos segredos se encontravam ainda por desvendar.

O piso inferior do Museu é dedicado aos materiais arqueológicos recolhidos na Citânia de Briteiros e no Castro de Sabroso. Trata-se de objetos maioritariamente fragmentados, que testemunham a arquitetura e a cultura material da comunidade que habitou esta região na Proto-história e na Época Romana. Os materiais recolhidos destacam-se pela sua variedade, abrangendo elementos em pedra, fragmentos de cerâmica e vidro, e vários objetos metálicos (bronze, ferro e ouro). Dado que uma grande parte dos elementos de construção e utensílios usados na Citânia derivavam de matérias-primas orgânicas, objetos como traves e estruturas, louças e utensílios em madeira, cestaria, mobiliário e roupas feitas com couro, linho e lã praticamente não sobreviveram no registo arqueológico. Desapareceu também a maior parte dos elementos decorativos, como pavimentos interiores em barro e rebocos e pinturas de paredes, restando apenas vestígios. Assim sendo, as ruínas da Citânia constituem apenas o que restou da estrutura base das construções.

Entre os objetos expostos, destacam-se os elementos arquitetónicos em pedra, nomeadamente lintéis, ombreiras e rodapés, decorados com os mais diversos motivos geométricos (por vezes de inspiração astronómica ou vegetalista), esculpidos diretamente no granito. Sobressaem-se também os exemplos de esculturas de figuras humanas ou animais, que são em muito menor proporção que as representações abstratas, que eram frequentes na Proto-história.

A cerâmica da Idade do Ferro é muito característica pela sua tonalidade escura, que lhe é conferida pela cozedura, pela existência de muita mica nas pastas e pelos diferentes motivos decorativos. As técnicas de fabrico dos objetos em barro, bem como as diferentes formas e utilizações, e as distintas decorações, foram evoluindo ao longo do tempo, permitindo-nos assim diferenciar as cerâmicas de acordo com a época em que foram produzidas. As peças mais vistosas são, sem dúvida, as cerâmicas da época romana, importadas em grande parte, e que eram objetos de grande qualidade. No entanto, a grande maioria das cerâmicas recolhidas na Citânia de Briteiros são datadas da Idade do Ferro, particularmente dos últimos 200 anos a. C., quando o povoado atingiu a extensão máxima que lhe conhecemos. Entre estas peças distinguem-se: as grandes talhas usadas para armazenamento de bebidas (água, leite, cerveja) ou de cereais (trigo ou milho-miúdo); os potes de tamanho médio, usados para guardar, confecionar e servir alimentos; os tachos ou panelas, muitas vezes com asas interiores, usadas para cozinhar ao lume; os almofarizes usados para esmagar e misturar diferentes produtos; as terrinas, tigelas e malgas, usadas como louça de mesa; os potinhos e púcaros usados para beber, os últimos mais utilizados para bebidas aquecidas. A importação de vinho e produtos derivados, realizada mesmo antes da integração do território no Império Romano, é testemunhada por uma grande quantidade de ânforas romanas.

Os materiais metálicos comprovam a importância da metalurgia na sociedade proto-histórica. A manufactura de objetos em cobre, bronze, ferro, prata e ouro era uma atividade fundamental, quer relacionada com a necessidade prática dos objetos (armas, ferramentas e objetos pessoais), quer com o prestígio que a sua exibição propiciava (joias e outros objetos de adorno). Na exposição, exibem-se várias peças provenientes da Citânia de Briteiros e do Castro de Sabroso, tais como fragmentos de armas e de ferramentas, objetos de uso quotidiano como fíbulas e alfinetes de toucado, e elementos de caldeiros ou caldeirões em bronze. São também visíveis nesta parte da exposição alguns achados excecionais, como um grande vaso com uma inscrição latina, que apareceu associado a uma moeda de bronze, um outro vaso que continha um par de arrecadas em ouro e vários exemplos de objetos em vidro, da Idade do Ferro e da Época Romana.

 

Museu da Cultura Castreja | Solar da Ponte

Rua do Solar, 4805-448 Briteiros S. Salvador, Guimarães

Todos os dias | Verão 9h30m-12h30m/14h-18h, Inverno 9h30m-12h30m/14h-17h

Encerra no dia 1 janeiro, domingo de Páscoa e 25 de dezembro.

Visitas guiadas e informações: + 351 253 478 952 | citania@msarmento.org